quarta-feira, 28 de novembro de 2007

O FUTEBOL FEMININO E SUA INSERÇÃO NA MÍDIA: A DIFERENÇA QUE FAZ UMA MEDALHA DE PRATA

O futebol é uma das modalidades esportivas mais praticadas em todo o mundo. Sua história, o envolvimento da mídia, a sua inserção em diferentes culturas, o interesse comercial e de marketing por trás das equipes e dos campeonatos e o alcance dos campeonatos locais e mundiais têm demonstrado isto ao longo dos anos. Entretanto há uma peculiaridade, também neste esporte, que é a forma de envolvimento das mulheres e o tratamento que os meios de comunicação dão à parti­cipação feminina. Atualmente as mulheres têm se mostrado presentes e, com grande interesse, se envolvido nesta modalidade, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Como exemplo, citamos o Instituto Internacional de Futebol ao realizar, em 2005, seu Congresso com o tema Mulher, futebol e Europa, reafirmando que “o futebol feminino tem se tornado uma área de estudos emergente e envolvente, em pro­porções globais, atraindo um número crescente de pesquisadores de di­versas áreas” (IFI, 2005, p. 2).
No Brasil, identificamos o crescimento da prática desta modali­dade entre as mulheres, bem como o seu aparecimento midiático mais evidente, particularmente após o inédito resultado nas olimpíadas de Atlanta, com o quarto lugar, e, mais recentemente, com o sucesso das atletas em Atenas, conseguindo a medalha de prata.
Seria ingênuo supor que a mídia trate as mulheres, em seu en­volvimento com o futebol, de forma similar ao tratamento dado aos homens. Aliás, a crítica à parcialidade nos meios de comunicação no que concerne ao gênero, parece sempre voltar à tona quando há algum estudo que envolva a mídia e o esporte, conforme afirmam Mourão e Morel (2005), pois o esporte, através da mídia, é predominantemen­te branco e masculino, segundo reiteram autores como Sterkenburg e Knoppers (2004), Coakley (2004) e Knoppers e Elling (2004). Esse fato não é peculiar da nossa cultura, pois não interessa qual país e evento são estudados, os resultados consisten­temente mostram que os esportes envolvendo mulheres são proporcio­nalmente mal representados na mídia esportiva e considerados como de menor emoção e de menor dignidade para notícias do que os esportes envolvendo homens. (STERKENBURG; KNOPPERS, 2004, p. 303).
Através da mídia parece haver então dois caminhos: o primeiro, sendo o do esporte masculinizado e o segundo, o do esporte feminino, com um tratamento de modelos de beleza e o objeto de desejo (PRIO­RE, 2000).
Assim, identificamos na história do esporte que a atividade es­portiva, enquanto símbolo de um imaginário de força, poder e músculo, se enquadraria como atividade masculina, portanto a mulher deveria ser poupada deste possível processo de masculinização, ou seja, não deveria estar presente da mesma forma que o homem no mundo esporti­vo. Em decorrência deste conceito, notamos a pequena participação das mulheres e também de um tratamento pela mídia que não é o mesmo dado aos homens.
O suor excessivo, o esforço físico, as emoções fortes, as competições, a rivalidade consentida, os músculos delineados, os gestos espetacu­larizados do corpo, a liberdade de movimentos, a leveza das roupas e a seminudez, práticas comuns ao universo da cultura física, quando relacionadas à mulher, despertavam suspeitas porque pareciam abran­dar certos limites que contornavam uma imagem ideal de ser feminina (GOELLNER, 2005, p. 92).
A captura da imagem feminina, pela mídia, não vai amenizar o problema da diferenciação, pelo contrário, o que encontramos é o re­forço do tratamento viril e de resultados ao esporte masculino e o des­prezo, atenção à beleza, associação ao papel de maternidade da mulher e preconceito ao esporte feminino. O papel social da mídia não é de pequena importância, por isto cabe também a nós a identificação e o questionamento de como o esporte está presente nos veículos de comu­nicação.
O reconhecimento dos limites e valores presentes na mídia mostra-se imprescindível para este tipo de estudo, pois a mídia forma, cons­trói e modela a sociedade através da produção e divulgação dos “fatos”. Além do que “é imprescindível insistir na idéia de que os meios de comunicação de massa transformam tudo em mercadoria” (BITEN­COURT, 2005, p.18) e o suposto produto “mulher & futebol” tem ca­racterísticas diferentes do produto “homem & futebol”. Aquelas são as belas, modelos de desejo, sensuais, suas imagens privilegiam exposi­ção e tratamento de evidência do corpo, tratando de uma mulher ideal ou então dos seres responsáveis pelos afazeres domésticos, destacando mais as curvas do que a hipertrofia, e o imaginário social ainda inclui a “bela, maternal e feminina: imagens afirmativas que permitem compre­ender que o corpo da mulher ao mesmo tempo que é seu não lhe perten­ce” (GOELLNER, 2003, p. 74). Já o segundo “produto” recai nas teias da mitologia do herói, do forte, da disputa, do vencer, da superação e a imagem do macho do mundo natural parece muitas vezes encarnar as páginas dos jornais ao tratar do homem que pratica o futebol, embora este também seja capturado pelos interesses comerciais.
Assim, embora a mídia seja um dos sujeitos sociais que contem­pla o futebol feminino no Brasil desde a década de 1930 (MOURÃO; MOREL, 2005), sua forma de apresentar esta modalidade tem sido freqüentemente adornada por adjetivos e intenções não encontrados no tratamento do futebol masculino e de forma a não garantir uma existên­cia autônoma, perene, evidente e isenta de juízo. Não caberia defender-mos um discurso apologético de igualdade, mas sim de dignidade.
Em todos os níveis de prática do futebol, podemos identificar o preconceito, a diferença, o descaso e suas conseqüências na forma­ção do imaginário social do papel da mulher, particularmente, quando o assunto é futebol feminino. Basta acompanhar os investimentos, a organização, as escolinhas ou o tratamento dado pela mídia para identificarmos a diferença. Até mesmo as questões da história do futebol feminino mostram-se tratadas com indiferença, pois enquanto a FIFA afirma que a primeira partida realizada entre mulheres foi na Inglaterra em 1880, a própria Federação Inglesa de Futebol afirma que o primeiro jogo feminino ocorreu em 1895. Isto parece reforçar a idéia de que a “historiografia machista não se limita a ignorar a mulher” (MORENO, 1999, p. 49), mas a trata com desprezo, tanto pelo que é apresentado como pelo que se omite, pois o que se diz, tanto por texto como por imagens é controverso, impreciso, falacioso e incompleto. Isto reforça a necessidade de estudos que identifiquem a situação da participação das mulheres nos esportes e que estes estudos tenham uma intervenção pedagógica ao recriar os valores nas novas gerações para que as pró­ximas não sejam capturadas por distorções oriundas do desprezo e do preconceito.

Quando focamos a história do futebol feminino no Brasil, iden­tificamos que esta modalidade sempre encontrou grandes dificuldades. Durante o Estado Novo (governo Vargas de 1937 a 1945), as leis cria­das, inclusive na área esportiva, estavam inseridas em um contexto de controle, com uma grande pressão para que as mulheres se afastassem do futebol. Elas deveriam limitar-se à prática de esportes que o gover­no considerava condizentes com suas funções de genitoras de prole. O Estado Novo criou o decreto 3.199 que proibia às mulheres a prática de esportes considerados incompatíveis com as condições femininas, sendo o futebol incluso entre outras modalidades esportivas como hal­terofilismo, beisebol e lutas de qualquer natureza. O Período Militar também inviabilizou a prática reconhecida do futebol pelas mulheres, sendo permitido apenas na década de 1980, pelo Conselho Nacional de Desporto.
Além das questões legais, as questões sociais também contribuí­am para a rejeição da prática deste esporte pelas mulheres, pois sempre houve certo preconceito em relação às praticantes. O preconceito social induziu a um preconceito esportivo, pois a mulher praticante de futebol era tida com masculinizada, grosseira e sem classe social.
Quais motivos estariam envolvidos neste fato social? Conside­rando o futebol uma paixão nacional, haveria espaço na mídia para esta modalidade quando praticado por mulheres? Estas questões despertam o interesse pela compreensão mais abrangente desta realidade que en­volve uma interessante relação entre gênero e esporte.
Estabelecemos, então, como parte deste estudo, a análise da quantidade de espaço reservado ao futebol feminino na mídia impressa, em dois dos jornais de maior circulação nacional.
METODOLOGIA
Através da Pesquisa Analítica Descritiva (THOMAS; NELSON, 2002), foi analisado o conteúdo da mídia impressa de dois jornais de cir­culação nacional sobre a inserção do futebol feminino, quer seja de forma escrita ou por fotografias e imagens. Através desta análise, veri­ficamos a freqüência e a relevância das inserções, além da mensuração das aparições e da relação entre estas e outras aparições de assuntos correlatos. Assim buscamos a correspondente análise das mensagens.
Os jornais escolhidos para análise foram Folha de São Paulo (FOLHA) e O Estado de São Paulo (ESTADO), por serem, reconheci­damente, jornais de grande tiragem e de alcance em todo o país. Como estes jornais têm repercussão em todo o território nacional, esperamos destes veículos de comunicação um tratamento dos assuntos esportivos que tanto atinja o interesse, como também forme a opinião das pessoas.
Analisamos nestes veículos de comunicação a aparição do fu­tebol feminino por três meses, observando, na quantidade de matérias referentes a esta modalidade, tanto aspectos positivos quanto negativos. Utilizamos para esta análise os meses de maio, junho e agosto de 2004, porque os dois primeiros antecederam os Jogos Olímpicos da Grécia e o último mês analisado foi o período de realização dos jogos, o que deveria apontar para uma provável diferença no tratamento dado pela mídia nestes dois períodos, embora muito próximos cronologicamente.

DISCUTINDO OS RESULTADOS
Durante o mês de maio, o jornal Estado não apresentou nenhuma matéria por imagem ou texto relativo ao futebol feminino e a Folha incluiu duas aparições, em dias diferentes, sendo uma fotografia de jo­gadoras norte-americanas com duas linhas de texto e uma coluna com o título “O tedioso futebol feminino”. O adjetivo adicionado ao termo futebol feminino já revela a tendência de tratamento dada à modalida­de. Entretanto é o silêncio o que mais chama a atenção, pois mesmo num período que antecede os Jogos Olímpicos, pouco ou quase nada se vê sobre o futebol jogado por mulheres em oposição ao tratamento dado ao futebol praticado pelos homens. Durante esse mês, a única coluna dada ao futebol feminino, inicia-se com uma questão, no mínimo, tendenciosa: “existe alguém que, sem ser amigo, namorado ou parente das jogadoras da seleção feminina de futebol, roa as unhas na ansiedade da espera pela olimpíada?” Tal coluna ainda confirma a idéia de que ninguém teria a mesma ansiedade para ver, assistir e ler notícias sobre o futebol feminino, como teria em ver o futebol masculino. A forma de tratamento usada parece revelar a condição da modalidade dentro do cenário nacional.
O mês de junho não apresenta variação significativa na apresen­tação das mulheres do futebol e o silêncio continua falando alto. Duran­te o segundo mês de análise apenas uma fotografia e uma nota, em dias diferentes, são registradas na Folha e apenas uma coluna é registrada no Estado. Em todas elas há registro fazendo referência à equipe que vi-ria participar dos Jogos Olímpicos. Em nenhum momento há destaque para alguma outra matéria sobre as mulheres e o futebol, como se elas apenas existissem na prática do futebol para os Jogos Olímpicos; parece não haver campeonato, contusões, clubes, transferências, nem mesmo questões pessoais, como é possível observar na mídia quando o foco é o futebol masculino.

O mês de agosto parece brindar as mulheres do futebol com uma avalanche de imagens e matérias conforme transcorre o mês e a sele­ção feminina avança na competição da Grécia. Entretanto uma análise mais atenta revela a real condição do futebol feminino no Brasil, pois o tratamento dado parece estar mais atento ao corpo da mulher, pois este ainda está “colocado a serviço das normas da vida cultural e habituado às mesmas” (BORDO, 1997, p. 20) e não é a mídia que estará alterando esta estrutura e hábito de como tratar as mulheres, particularmente no esporte.
Durante o último mês de análise, há a surpreendente quantidade de vinte e nove inserções no Estado e trinta e quatro na Folha, tratando de alguma forma o futebol feminino. A quantidade de matérias começa a crescer devido ao bom desempenho que a equipe de futebol feminino alcançou na Grécia, vencendo vários jogos e chegando às fi nais. No entanto, há algumas considerações a serem ponderadas antes de uma equivocada comemoração sobre tais aparições.
Em todas as inclusões de imagens ou textos analisados sempre há referência direta ou indireta à competição em andamento, o que já nos faz supor que encerrada a competição, encerra-se também a aten­ção dada às mulheres neste esporte. As matérias e as fotografias não superam o mero acompanhamento da seleção feminina e praticamente silenciam sobre questões ligadas a contratações, transferências e outras abordagens que poderíamos esperar caso estivesse em evidência a equi­pe masculina. Contudo há repetidas notas ou comentários tratando-as como belas e frágeis, até mesmo pela forma como se encerra a disputa entre o patrocinador da CBF e do COB, pois conforme a própria mídia apresenta, “não haveria grande impacto com a presença delas no pódio” e, portanto, o patrocinador da CBF libera as meninas para usarem o nome do patrocinador do COB (FOLHA , 2004b, p. 28).
Além do tratamento à competição e à condição de mulher, os veí­culos de comunicação estudados ainda apresentam, nesse último mês, dois comentários sobre possíveis transações para times europeus e mais cinco textos e manchetes que querem alertar para a real situação desta modalidade: “Com recorde olímpico de gols, esquecidas lutam agora pelo primeiro pódio”, “CBF sugere liga e Blatter promete inchar a com­petição”, “CBF quer subsidiar equipe feminina”, “Seleção deixará de existir no momento do desembarque”, “Conquista é só delas” e “Alunas enfrentam mestras, trauma e desemprego na decisão pelo ouro”. Estas poucas inserções reforçam a situação do futebol feminino, pois não há apoio institucional, não há competições minimamente organizadas, não há incentivo, não há presença na mídia. Como esperar que a população aceite, aprecie e valorize o futebol praticado pelas mulheres se a mídia dá um tratamento de pura exclusão e preconceito? Como esperar que mulheres e homens tenham tratamento equivalente na mídia esportiva? Como esperar que meninas e meninos tenham as mesmas oportunida­des? Como esperar que novas gerações surjam sem pagarem o preço da exclusão, do preconceito e do tratamento diferenciado?
A questão do futebol feminino não deveria ser a comparação com os homens, pois a busca de igualdade não deveria ser medida pelo es­paço reservado, pela mídia, a cada um, ou pelas conquistas de cada um, mas que ambos tivessem oportunidades e tratamento acompanhados de dignidade, encerrando uma disputa dualista.
Fica evidente pelas matérias analisadas que, além do preconceito que as mulheres enfrentam, particularmente num país que ainda acha que futebol é coisa de homem, elas têm de superar a falta de estrutura e de apoio (cabe lembrar que o futebol feminino foi a única modalidade brasileira na Grécia que não recebeu verba de incentivo fiscal), e ainda de receberem um tratamento dado pela mídia que as mantêm distante do público e, repetidamente, comparadas aos homens ou lembradas pe­los atributos de beleza ao invés das questões do esporte em si.
Ao compararmos os meses pesquisados, constatamos que nos meses de maio e junho, em ambos os jornais, as notícias tinham uma tendência negativa e pouco se falou, pois nos dois jornais as notícias publicadas nos dois meses totalizaram apenas cinco aparições. Já no mês de agosto a quantidade de matérias foi bem maior quando compa­radas ao que foi publicado em maio e junho. Em agosto houve um total de sessenta e três inserções, entretanto, tratando quase que exclusiva­mente do campeonato em andamento.
A medalha de prata, conquistada pela equipe feminina na Grécia, deveria trazer consigo um simbolismo para os profissionais do esporte: superação. A equipe brasileira superou os limites, chegou à final com o melhor ataque e a melhor defesa da competição, sofrendo gols somente dos EUA. A medalha de prata simboliza uma vitória. Vitória não no sentido de ganhar um jogo, mas na construção de um ideal de tratamen­to mais justo, no qual o discurso sobre o corpo feminino não seja cap­turado pelo tendencioso controle social, isolando o corpo feminino de um adequado tratamento. Nas palavras de Bordo (1997, p. 21), “Neces­sitamos desesperadamente de um discurso político eficaz sobre o corpo feminino, um discurso adequado a uma análise dos caminhos insidiosos e muitas vezes paradoxais do moderno controle social”. Também reite­ramos a idéia de Goellner que diz o seguinte:
Assim, se o esporte se traduz como um importante elemento para a promoção de uma maior visibilidade das mulheres no espaço público e se, ao longo da história do esporte nacional, houve a projeção de vários talentos esportivos femininos, vale registrar que essas conquistas resul­tam muito mais do esforço individual e de pequenos grupos de mulhe­res (e também de homens) do que de uma efetiva política nacional de inclusão das mulheres no âmbito do esporte e das atividades de lazer (GOELLNER, 2005, p. 97).
O efeito da medalha de prata, muito mais que a comemoração de uma conquista inédita, deve ser o ideal de sensibilizar os mecanismos de informação, de produção de conhecimento, de educação para que se construa um discurso adequado e para que se sensibilize a população sobre a verdadeira vitória que ainda precisa ser conquistada, não pelas mulheres, mas em relação a elas. A falaciosa argumentação de ser trata­da como os homens já não é suficiente, pois estes também são tratados de acordo com interesses, por vezes ocultos, que não atendem ao dis­curso adequado que se faz necessário em nossa cultura.
Em um país que valoriza prioritariamente os vencedores, será suficiente uma medalha olímpica carregada de emoção, de desprezo, de descaso e de muito esforço para que se crie um discurso digno sobre a participação das mulheres no futebol? E por que não estender este ideal à existência de campeonatos, à presença da mídia e de um discurso adequado a respeito da participação delas?
Depois dos jogos na Grécia, o presidente da CBF e o da Fede­ração Paulista de Futebol prometeram buscar patrocínios para a rea­lização das competições nacional e paulista em 2005, entretanto não houve alteração significativa no cenário esportivo nem no midiático. O momento, logo após os Jogos Olímpicos, era propício para promessas, além de ser uma maneira de atender a uma necessidade do esporte na­cional, era também uma forma de estar em evidência com um discurso, senão adequado, pelo menos conveniente.
A comparação dos dois primeiros meses de análise com o últi­mo revela uma tendência, ainda que discreta, mas constante em sair de aspectos negativos, evidenciados pelo inicial silêncio e adjetivos, tais como “tedioso”, “qualidade pífia”, “o futebol não parece ter nascido para elas”, para aspectos positivos, com o próprio crescimento da or­dem de mais de 2.000% na quantidade de publicações como também nas expressões positivas ao tratar do avanço da equipe durante a com­petição: “evolução”, “menos vazada”, “primeiro pódio”, “pequenas grandes mulheres”. Entretanto, mesmo durante o mês de agosto, quan­do o Brasil conseguiu a medalha de prata, ainda encontramos repetidas referências negativas ao tratar das mulheres do futebol, como “sexo frágil”, “esquecidas”, “trauma”, “desempregadas”, “decepção”, “time que deixará de existir”.
A própria mídia ainda levanta a questão de que o gosto popular pode ser criado pela mídia, mas como seria possível termos uma popula­ção ávida por futebol feminino se não há divulgação desta modalidade?

CONCLUSÃO
Através dos dados obtidos nesta pesquisa, identificamos, ainda nos dias de hoje, a real necessidade da reconstrução do papel da mulher na sociedade, através de sua inserção no cenário esportivo e da forma como a mídia aborda a questão. Faz-se necessário a construção de uma nova imagem em substituição à imagem de Apolo (WILSHIRE, 1997), onde a superioridade vinculada ao masculino, como fonte de força e de conhecimento, venha dar lugar ao equilíbrio entre o masculino e o feminino. Já não é suficiente a visão idealista e limitada de igualdade ao masculino, pois aqui também persiste um conjunto de forças atuando de forma a excluir o ser humano, tratando-o muitas vezes como produto a ser comercializado e ficando sujeito e submisso a interesses externos.
A forma de apresentação, através da mídia, da mulher que pratica
o futebol tende a criar uma falsa identidade do que deveria ser o papel da mulher na sociedade, permitindo uma reprodução do ideal de beleza, de sujeição e de procriação. Embora identifiquemos uma tendência de valorização do futebol feminino, esta tendência mostrou-se de caráter transitório, sazonal e efêmero, atendendo apenas a uma demanda de­corrente dos Jogos Olímpicos e da conquista que a equipe brasileira al­cançou. Evidenciamos, entretanto, a necessidade da mudança dos fun­damentos do discurso sobre a mulher, particularmente da mulher que pratica futebol, em que o preconceito seja objeto de estudo histórico do passado e a tendência de valorizar o esporte praticado por homens seja substituída pelo devido tratamento a quem quer que pratique o esporte.
Ainda persiste a esperança de que a medalha de prata e a grande quantidade de matérias sobre futebol feminino durante o mês de agosto não tenham sido em vão, mas que seja um momento para refl exão e que os instrumentos pedagógicos utilizem estas informações para criar resistência aos movimentos de captura sobre a mulher e o futebol e, por que não dizer, sobre a mulher e o esporte e ainda sobre a mulher e a sociedade.
Embora o futebol seja considerado uma paixão nacional, parece não assumir este papel social quando a questão é o futebol feminino. Este trabalho reforça a necessidade de se redirecionar o status social dessa questão na sociedade brasileira, despertando de seu estado de dormência, pela forma como tem sido tratado o futebol feminino pela mídia, não apenas pelo que se diz mas também pelo silêncio sobre ele.

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